quinta-feira, 7 de junho de 2012

Carta Aberta ao Deputado Felipe Peixoto

Lixo nas redes dos pescadores em Itaipu


Meu caro Felipe,

Muito me agrada sua iniciativa de formular e promover uma política pública para aquele canto tão sofrido de Itaipu, e mesmo para a toda a pesca do Estado do Rio de Janeiro. Aquele cantinho tão belo, mas tão sofrido socialmente, tão sofrido ambientalmente e culturalmente massacrado, tanto de um ponto de vista antropológico quanto arqueológico. Há muito que os pescadores de Itaipu têm sido submetidos às mais hediondas injustiças. Há muito que a nossa cidade, que já foi um dia o maior desembarque pesqueiro do país, precisa de iniciativas eficazes no sentido da promoção da atividade pesqueira e, sobretudo, da proteção das suas comunidades tradicionais.

Eu me lembro de criança, meu caro Felipe, quando você ainda não era nascido, as maiores injustiças já se perpetravam contra aquela gente. E já lá se vão umas três ou quatro gerações daquela comunidade, onde da sociedade envolvente conheceram somente a cooptação, a exploração da imagem, o esbulho de suas terras, a descaracterização de seu modo de vida e das suas estratégias de sobrevivência, dentre tantas outras intervenções desastrosas. Sobre esta comunidade deitaram-se olhares os mais cobiçosos, e a esmagadora maioria das iniciativas externas, seja dos poderes públicos, seja de natureza comunitária ou acadêmica, resultaram em verdadeiros desastres socioambientais.

Por isso, apesar do alento que provoca a notícia desta iniciativa governamental, muitas dúvidas me ocorrem, a mim e a muitos outros que, como eu, possuem um forte laço afetivo com aquele lugar e com aquela gente, mas que se calaram diante de tanta mesquinharia e das repressões que sofremos ao levantar a voz em defesa daquele lugar e daquela comunidade. Repressões essas, vindas de setores poderosos da sociedade, que cooptam nossos aliados e nos derrubam com fogo amigo. Dúvidas de como resolver uma equação política extremamente complexa, uma equação construída ao longo de décadas de descaso e de políticas públicas equivocadas, senão resultado de visões de mundo elitistas e preconceituosas, no mínimo, resultado da prevalência de interesses exclusivamente pecuniários e eleitoreiros.

Dentre as inúmeras variáveis desta equação política, as mais complicadas são as variáveis socioeconômicas e as ambientais. Socialmente, aquela comunidade agregou ao longo do tempo inúmeros atores sociais externos que a levaram a uma desagregação interna, a ponto de comprometer sobremaneira os seus mecanismos internos de coesão social. A cizânia foi tamanha que hoje é, tecnicamente, quase impossível recompor aquele tecido social tão peculiar, algo que foi um dia sui generis. Mas assim mesmo, existem remanescentes daquela comunidade que até poderiam fazer recompor algo ainda semelhante ao que já foi um dia, desde que respeitados seus mecanismos internos de organização social e, sobretudo, os seus direitos.

Economicamente, a atividade pesqueira sofreu enormes impactos do crescimento urbano desordenado da Região Oceânica de Niterói, que nos trouxe a famigerada especulação imobiliária, hoje vigente nesta cidade, e implantou uma desordem fundiária quase letal para a atividade pesqueira. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu às áreas aforadas à Colônia. Ora, isso faz da Enfiteuse uma das variáveis desta equação política que só o Gerenciamento Costeiro, via Projeto Orla, poderá tentar ordenar, mas se for feito com muita justiça e seriedade, e sem a ingerência de setores corruptos e reacionários da sociedade envolvente. Some-se a isso as ligações perigosas que a Colônia contraiu com a máfia que dominou a pesca no estado nas últimas décadas. Talvez este, um dos principais motivos da decadência que observamos nesta atividade econômica em nosso estado.

Ainda neste campo econômico, mas já transpassado pelas variáveis socioambientais, temos o equívoco que foi o impedimento da criação da Reserva Extrativista. A Resex de Itaipu é uma espécie de obviedade que a máfia da pesca e setores extremamente conservadores da sociedade não conseguiram assimilar e a impediram de ir a termo sob as maiores injustiças e oportunismos políticos. É que se tratava da adoção de paradigmas socioambientais que a sociedade envolvente e a nossa classe política ainda estão muito longe de perceber a importância. Não fosse isso, nossa cidade, nosso estado e este país não estariam insistindo nesta tragédia ambiental cotidiana, que constrói cidades imundas, que diminui Unidades de Conservação para consolidar a indústria do licenciamento, que não consegue sequer processar o lixo, enfim, que não consegue se aproximar de qualquer tipo de sustentabilidade verificável.

Como agravante da variável ambiental desta equação política, temos o comando hipócrita que domina o meio ambiente no Rio de Janeiro e chegou a ser exportado para níveis nacionais. Foram os asseclas deste comando hipócrita que impediram a criação da Resex de Itaipu, pois enganaram os pescadores e resolveram favorecer os setores mais corruptos e conservadores da sociedade, em detrimento das necessidades e interesses daquela gente. A própria Marina Silva determinou a criação da Resex ainda no início do primeiro governo Lula, mas os asseclas do comandante hipócrita, associados aos mais diversos eco-oportunistas, trataram de impedir. Tudo aquilo de destruição ambiental que Marina Silva conseguiu conter em mais de quatro anos de governo, foi detonado em apenas alguns meses, o que resultou, dentre tantas devastações do ambiente, nos Belos Montes da vida, culminando neste golpe que ora é desferido contra o Código Florestal.

Se hoje todos lamentam o, por assim dizer, “leite negro” do bota-fora derramado na entrada da Baía da Guanabara e defronte da praia de Itaipu, não foi por falta de aviso dos próprios pescadores daquela comunidade. Eu mesmo estive com eles reunido com promotores do MP em Niterói alertando sobre o crime ambiental que a Cia. Docas estava em vias de cometer. Mas todos se fingiram de mortos, incluindo o MP e os correligionários do comandante hipócrita, pois se omitiram e deixaram acontecer um crime ambiental de proporções ainda não dimensionadas, que ainda haverá de se manifestar por muitas décadas, talvez séculos, sobre a pesca e sobre as praias oceânicas da nossa cidade. Tal como se configura agora no horizonte o despejo dos resíduos do COMPERJ em Itaipuaçu, onde o INEA faz as vezes de IBAMA, ao arrepio constitucional da competência federal sobre o mar. A sociedade civil organizada de Niterói e de Maricá já deram o alerta. Vamos ver no que vai dar, pois neste caso cabe até mesmo o concurso do MPF, já que o MPE já se mostrou ineficaz neste e em diversos outros casos, tal como foi o a diminuição do Parque Estadual da Serra da Tiririca, da recategorização ilegal da Reserva Municipal Darci Ribeiro e diante dos absurdos urbanísticos de Niterói, que já perdeu o seu antigo sorriso.

Por fim, meu caro Felipe, tenho a dizer que te desejo sucesso e que sua iniciativa faz reacender uma esperança, mas com uma chama ainda muito tênue, pois a complexidade desta equação política pode vir a comprometer os resultados desta e de qualquer intervenção em Itaipu, tal como demonstram as experiências pregressas. Mesmo confiando na sua capacidade empreendedora e reconhecendo a sua enorme sagacidade política, ainda assim, tenho receios. Pois o problema não se resume apenas ao ordenamento urbano e à montagem de uma infra-estrutura para a pesca. O problema se coloca sob os maus olhos que se deitam sobre aquele lugar, dentre os mais belos da nossa cidade, e exercitam um tipo de mesquinharia que resulta da prevalência de interesses os mais retrógrados, que praticam um tipo de relacionamento político que há muito precisamos superar, sob pena de fracassarmos nas mais elementares políticas públicas que tentarmos empreender.

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