Lixo nas redes dos pescadores em Itaipu
Meu caro Felipe,
Muito me agrada sua iniciativa de formular e promover uma
política pública para aquele canto tão sofrido de Itaipu, e mesmo para a toda a
pesca do Estado do Rio de Janeiro. Aquele cantinho tão belo, mas tão sofrido
socialmente, tão sofrido ambientalmente e culturalmente massacrado, tanto de um
ponto de vista antropológico quanto arqueológico. Há muito que os pescadores de
Itaipu têm sido submetidos às mais hediondas injustiças. Há muito que a nossa
cidade, que já foi um dia o maior desembarque pesqueiro do país, precisa de
iniciativas eficazes no sentido da promoção da atividade pesqueira e,
sobretudo, da proteção das suas comunidades tradicionais.
Eu me lembro de criança, meu caro Felipe, quando você ainda
não era nascido, as maiores injustiças já se perpetravam contra aquela gente. E
já lá se vão umas três ou quatro gerações daquela comunidade, onde da sociedade
envolvente conheceram somente a cooptação, a exploração da imagem, o esbulho de
suas terras, a descaracterização de seu modo de vida e das suas estratégias de
sobrevivência, dentre tantas outras intervenções desastrosas. Sobre esta
comunidade deitaram-se olhares os mais cobiçosos, e a esmagadora maioria das
iniciativas externas, seja dos poderes públicos, seja de natureza comunitária
ou acadêmica, resultaram em verdadeiros desastres socioambientais.
Por isso, apesar do alento que provoca a notícia desta
iniciativa governamental, muitas dúvidas me ocorrem, a mim e a muitos outros
que, como eu, possuem um forte laço afetivo com aquele lugar e com aquela gente,
mas que se calaram diante de tanta mesquinharia e das repressões que sofremos
ao levantar a voz em defesa daquele lugar e daquela comunidade. Repressões essas,
vindas de setores poderosos da sociedade, que cooptam nossos aliados e nos
derrubam com fogo amigo. Dúvidas de como resolver uma equação política
extremamente complexa, uma equação construída ao longo de décadas de descaso e
de políticas públicas equivocadas, senão resultado de visões de mundo elitistas
e preconceituosas, no mínimo, resultado da prevalência de interesses
exclusivamente pecuniários e eleitoreiros.
Dentre as inúmeras variáveis desta equação política, as mais
complicadas são as variáveis socioeconômicas e as ambientais. Socialmente,
aquela comunidade agregou ao longo do tempo inúmeros atores sociais externos
que a levaram a uma desagregação interna, a ponto de comprometer sobremaneira
os seus mecanismos internos de coesão social. A cizânia foi tamanha que hoje é,
tecnicamente, quase impossível recompor aquele tecido social tão peculiar, algo
que foi um dia sui generis. Mas assim
mesmo, existem remanescentes daquela comunidade que até poderiam fazer recompor
algo ainda semelhante ao que já foi um dia, desde que respeitados seus
mecanismos internos de organização social e, sobretudo, os seus direitos.
Economicamente, a atividade pesqueira sofreu enormes
impactos do crescimento urbano desordenado da Região Oceânica de Niterói, que nos
trouxe a famigerada especulação imobiliária, hoje vigente nesta cidade, e
implantou uma desordem fundiária quase letal para a atividade pesqueira. Veja-se,
por exemplo, o que aconteceu às áreas aforadas à Colônia. Ora, isso faz da Enfiteuse
uma das variáveis desta equação política que só o Gerenciamento Costeiro, via Projeto
Orla, poderá tentar ordenar, mas se for feito com muita justiça e seriedade, e
sem a ingerência de setores corruptos e reacionários da sociedade envolvente. Some-se
a isso as ligações perigosas que a Colônia contraiu com a máfia que dominou a
pesca no estado nas últimas décadas. Talvez este, um dos principais motivos da
decadência que observamos nesta atividade econômica em nosso estado.
Ainda neste campo econômico, mas já transpassado pelas
variáveis socioambientais, temos o equívoco que foi o impedimento da criação da
Reserva Extrativista. A Resex de Itaipu é uma espécie de obviedade que a máfia
da pesca e setores extremamente conservadores da sociedade não conseguiram
assimilar e a impediram de ir a termo sob as maiores injustiças e oportunismos
políticos. É que se tratava da adoção de paradigmas socioambientais que a
sociedade envolvente e a nossa classe política ainda estão muito longe de
perceber a importância. Não fosse isso, nossa cidade, nosso estado e este país
não estariam insistindo nesta tragédia ambiental cotidiana, que constrói cidades
imundas, que diminui Unidades de Conservação para consolidar a indústria do licenciamento,
que não consegue sequer processar o lixo, enfim, que não consegue se aproximar
de qualquer tipo de sustentabilidade verificável.
Como agravante da variável ambiental desta equação política,
temos o comando hipócrita que domina o meio ambiente no Rio de Janeiro e chegou
a ser exportado para níveis nacionais. Foram os asseclas deste comando
hipócrita que impediram a criação da Resex de Itaipu, pois enganaram os
pescadores e resolveram favorecer os setores mais corruptos e conservadores da
sociedade, em detrimento das necessidades e interesses daquela gente. A própria
Marina Silva determinou a criação da Resex ainda no início do primeiro governo
Lula, mas os asseclas do comandante hipócrita, associados aos mais diversos
eco-oportunistas, trataram de impedir. Tudo aquilo de destruição ambiental que
Marina Silva conseguiu conter em mais de quatro anos de governo, foi detonado
em apenas alguns meses, o que resultou, dentre tantas devastações do ambiente,
nos Belos Montes da vida, culminando neste golpe que ora é desferido contra o
Código Florestal.
Se hoje todos lamentam o, por assim dizer, “leite negro” do bota-fora
derramado na entrada da Baía da Guanabara e defronte da praia de Itaipu, não foi
por falta de aviso dos próprios pescadores daquela comunidade. Eu mesmo estive
com eles reunido com promotores do MP em Niterói alertando sobre o crime
ambiental que a Cia. Docas estava em vias de cometer. Mas todos se fingiram de
mortos, incluindo o MP e os correligionários do comandante hipócrita, pois se
omitiram e deixaram acontecer um crime ambiental de proporções ainda não
dimensionadas, que ainda haverá de se manifestar por muitas décadas, talvez
séculos, sobre a pesca e sobre as praias oceânicas da nossa cidade. Tal como se
configura agora no horizonte o despejo dos resíduos do COMPERJ em Itaipuaçu,
onde o INEA faz as vezes de IBAMA, ao arrepio constitucional da competência
federal sobre o mar. A sociedade civil organizada de Niterói e de Maricá já
deram o alerta. Vamos ver no que vai dar, pois neste caso cabe até mesmo o
concurso do MPF, já que o MPE já se mostrou ineficaz neste e em diversos outros
casos, tal como foi o a diminuição do Parque Estadual da Serra da Tiririca, da
recategorização ilegal da Reserva Municipal Darci Ribeiro e diante dos absurdos
urbanísticos de Niterói, que já perdeu o seu antigo sorriso.
Por fim, meu caro Felipe, tenho a dizer que te desejo
sucesso e que sua iniciativa faz reacender uma esperança, mas com uma chama ainda
muito tênue, pois a complexidade desta equação política pode vir a comprometer
os resultados desta e de qualquer intervenção em Itaipu, tal como demonstram as
experiências pregressas. Mesmo confiando na sua capacidade empreendedora e reconhecendo
a sua enorme sagacidade política, ainda assim, tenho receios. Pois o problema
não se resume apenas ao ordenamento urbano e à montagem de uma infra-estrutura
para a pesca. O problema se coloca sob os maus olhos que se deitam sobre aquele
lugar, dentre os mais belos da nossa cidade, e exercitam um tipo de mesquinharia
que resulta da prevalência de interesses os mais retrógrados, que praticam um tipo
de relacionamento político que há muito precisamos superar, sob pena de
fracassarmos nas mais elementares políticas públicas que tentarmos empreender.
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